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Arquivo/ Gazeta do Povo
Quadrilha teria desviado recursos obtidos com indenizações pagas pela Petrobras por acidentes ambientais ocorridos em 2001Pescadores pagariam por ações contra crimes já prescritos
Processos teriam sido ajuizados pelos advogados com o objetivo de gerar custas processuais, a serem divididas por grupo denunciado à Justiça
Publicado em 31/08/2014 | FELIPPE ANÍBAL, MAURI KÖNIG,OSWALDO EUSTÁQUIO E MARCELA CAMPOS
6 mil pescadores, catadores de caranguejo e marisqueiros tiveram suas atividades interrompidas por quase oito meses após desastres ambientais ocorridos em 2001 no Litoral paranaense: o vazamento de óleo do poliduto Olapa e o vazamento de nafta do navio Norma. Em abril deste ano, a Gazeta do Povo encontrou ao menos 18 pescadores que ignoravam a existência de indenizações parciais liberadas pela Justiça e sacadas pelo escritório da advogada Cristiane Uliana, que os representa.
Estatal
Petrobras diz ter tido conhecimento de casos esporádicos de custas pagas por pescadores
Em nota oficial encaminhada à reportagem, a assessoria de imprensa da Petrobras afirma que a empresa “concordou com a desistência das ações prescritas propostas pelos pescadores, desde que ficasse isenta de custas. A decisão de 1ª instância, no entanto, condenou a Petrobras a pagar 50% das custas processuais. Em recurso, a companhia obteve êxito de forma a não pagar as custas”. A Petrobras informa, ainda, que teve conhecimento de casos esporádicos em que a decisão judicial foi no sentido de que a indenização paga aos pescadores fosse utilizada para pagamento das custas. “Quanto a essa decisão, caberia recurso apenas dos pescadores”, diz a empresa.
Entenda o caso
Saiba mais sobre o núcleo de fraudes que teria sido montado no Fórum de Paranaguá para lesar pescadores
• Denúncia
No dia 21 de agosto, a 1ª Vara Criminal de Paranaguá acatou denúncia contra 19 pessoas acusadas de integrar um núcleo de corrupção que lesou pescadores. Entre os detidos estão o juiz aposentado Hélio Tsutomu Arabori, o escrivão Ciro Antonio Taques e o advogado Marcos Gustavo Anderson, que estão presos preventivamente.
• Origem
As investigações começaram depois de a Gazeta do Povo revelar, em uma série de reportagens, que pescadores não haviam recebido o dinheiro das indenizações movidas contra a Petrobras por acidentes ambientais, apesar de a advogada deles ter sacado o valor das contas judiciais.
• Honorários
Além de se apropriar dos valores das indenizações, o grupo é acusado de dividir honorários e custas referentes às ações movidas contra a Petrobras, por causa de acidentes ambientais ocorridos no Litoral do Paraná.
Os “processos podres” começaram a ser identificados no segundo semestre de 2013, logo após a juíza Mércia do Nascimento Franchi assumir a 2.ª Vara Cível de Paranaguá. Nesta repartição havia entre 5 mil e 6 mil processos separados em uma sala, fora do cartório onde supostamente deveriam permanecer. No segundo semestre deste ano, a Corregedoria do Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) promoveu uma intervenção no cartório, que culminou com a estatização do tabelionato. Outros 6 mil “processos podres” foram ajuizados na 1.ª Vara Cível de Paranaguá.
A Gazeta do Povo teve acesso a algumas destas ações, ajuizadas na 2.ª Vara entre 2004 e 2006. Quase todas seguiam o mesmo caminho: apesar de os crimes ambientais prescreverem três anos após os acidentes, os advogados dos pescadores ingressavam com os processos após o prazo previsto na legislação. Na fase de contestação dessas ações, o defensor da Petrobras, empresa responsável pelos acidentes, apontava que a ação havia prescrito. Em casos identificados pela reportagem, os representantes dos pescadores firmavam, então, um acordo com o advogado da estatal, desistindo do processo e estabelecendo que as custas processuais seriam pagas integralmente pelos autores.
Nesta fase, as custas ainda não eram pagas, porque, por sua condição de penúria, os pescadores eram beneficiários da Justiça gratuita. Entretanto, posteriormente, o escrivão da Vara incluía no processo a informação de que havia detectado que o pescador estava prestes a receber a execução provisória de outro procedimento movido contra a Petrobras. Com isso, o juiz determinava que as custas da ação prescrita seriam pagas pelo pescador, a partir do dinheiro obtido por ele com as indenizações. Desta forma, os pescadores pagavam a conta dos “processos podres” a partir das ações “boas”. Pelo menos dois juízes assinam decisões com esse teor.
“Tendo em vista a informação do Sr. Escrivão, autorizo a dedução das custas processuais devidas nos presentes autos, inclusive a taxa Funrejus, em eventual indenização a ser recebida pelo pescador respectivo”, consta dos despachos judiciais. Em um dos processos, o pescador Honilson da Silva Cordeiro teve de pagar R$ 813,76 de custas de processos podres. Em outro, movido pelo pescador Alberto Chaves, as custas somaram R$ 805,31.
Em um caso de “processo podre” ao qual a reportagem teve acesso, a juíza Mércia Franchi revogou a determinação que descontava do pescador as custas da ação inválida e decidiu pelo arquivamento do processo.
Grupo ajuizava processos em excesso e em duplicidade
Além de ajuizar ações fora do prazo previsto em legislação, a quadrilha denunciada pelo Ministério Público ingressava com processos em excesso. Em vez de propor uma única ação, o advogado ingressava com dois procedimentos: um por dano moral e outro por dano material. O núcleo chegava ainda a mover duas ações distintas, mas sobre o mesmo fato (litispendentes). Para a 1.ª Promotoria Criminal de Paranaguá, o objetivo era claro: gerar custas ao cartório que integrava o esquema.
Em depoimento aos promotores, a advogada Cristiane Uliana, que representava centenas de pescadores, detalhou que havia milhares de ações geradas no nome dela com o único interesse de suscitar custas. “Foram gerados muitos processos. Muitos, muitos, muitos processos. E o interesse, realmente, eram as custas”, assumiu. Ela foi uma das denunciadas no esquema.
Outro acusado, o serventuário Arival Tramontin Ferreira Júnior, também destacou que a estratégia do grupo era propor ações em excesso e que cada processo gerava mais de R$ 300 ao grupo. “Cada processo que um pescador propunha se desdobrava em outros dois processos, que davam em torno de R$ 330. É um valor pequeno, só que passam de 14 mil processos ajuizados”, disse.
“Foi um crime muito bem arquitetado”
Especialista em Direito Processual Civil e em Direito Criminal, o advogado Carlo Frederico Müller considera que seria difícil aos juízes – que autorizaram o desconto das custas dos “processos podres” do valor a ser recebido por pescadores – perceber que havia uma articulação criminosa por trás das ações. Ele diz que não é irregular a revogação do direito à Justiça gratuita ao longo do processo, caso apareça fato novo que dê ao beneficiário condições de pagar pelas custas.
Para o advogado, chama a atenção a “má fé” dos advogados que integravam o grupo denunciado. “Se for comprovado, realmente foi [um crime] bem arquitetado. E há formas para que cada um seja responsabilizado por sua efetiva participação, cível e criminalmente”, disse.
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