Entre os presos estão um juiz aposentado, um escrivão e dois advogados. Ministério Público identificou desvios em custas processuais
Oito pessoas foram presas ontem – entre elas um juiz, um escrivão e dois advogados – acusadas de montar um núcleo de fraudes milionárias dentro da 1.ª Vara Cível de Paranaguá, no Litoral do Paraná. Investigações da 1.ª Promotoria de Justiça Criminal de Paranaguá revelam que o esquema estaria funcionando desde 2003. A fraude consistiria em arrecadar dinheiro com as custas processuais das ações de indenizações movidas pelos pescadores contra a Petrobras em decorrência de dois desastres ambientais ocorridos em 2001 no litoral do estado.
Os acidentes
18.10.2001 – O navio Norma bate em uma pedra na baía de Paranaguá e um dos tanques que transportava nafta é atingido provocando o vazamento de 392 mil litros do produto, um derivado do petróleo altamente inflamável.
16.02.2001 – Em decorrência de fortes chuvas, a barreira de proteção que cercava o Poliduto Olapa, da Petrobras, se rompeu, jogando nas baías de Antonina e Paranaguá 48.500 litros de óleo.
15.11.2004 – O navio chileno Vicuña explode e mata dois tripulantes, despejando 291 mil litros de metanol, óleo diesel e óleo lubrificante na Baía de Paranaguá, que impediram a pesca por dois meses. Foram atingidas quatro unidades de conservação.
Colaboração
Líder de pescadores teria participado do grupo
O presidente da Colônia de Pesca Z1 de Paranaguá e da Federação dos Pescadores do Paraná, Edmir Manoel Ferreira, conhecido como Edmir da Pesca, foi apontado pelo Ministério Público como um dos participantes da organização que se formou no litoral do Paraná com o objetivo de lesar os pescadores nas indenizações referentes aos acidentes ambientais ocasionados pela Petrobras em 2001.
Em depoimento ao MP, a advogada Cristiane Uliana disse que Edmir da Pesca, conhecido no esquema como “Jonas”, além de ter participado no início das atividades do grupo com a captação de procuração e reuniões com pescadores, recebia valores para representar Cristiane perante os pescadores. O líder dos pescadores da Ilha de São Miguel, Jaime do Rosário disse à Gazeta do Povo que o povo caiçara está muito triste de saber que seu presidente ajudou a lesar os pescadores.
A Gazeta do Povo noticiou ontem a morte da principal liderança caiçara do Litoral do Paraná, Diarone das Neves, que presidia a Associação Caiçara de Desenvolvimento do Litoral. Ele era o principal opositor do grupo de Edmir da Pesca, que está há 32 anos na liderança da Colônia. No velório, os pescadores criaram um movimento chamado Viva Diarone, que além de pedir a atenção dos órgãos superiores de justiça como o CNJ e a Corregedoria, pedia o afastamento do presidente da Colônia até a conclusão das investigações pelo MP.
O advogado Omar Elias Geha, que representa Ferreira, disse que passou a tarde no Gaeco, mas não teve acesso às denúncias. Segundo ele, Ferreira deve prestar depoimento hoje. “Ele não tem motivos para ser preso. É um absurdo você prender uma pessoa que nunca teve nenhum envolvimento com nada. Mas o papel aceita tudo.”
Foram presos preventivamente o juiz aposentado Hélio Tsutomu Arabori, o escrivão Ciro Antônio Taques, o advogado Marcos Gustavo Anderson. Com a prisão preventiva decretada, o serventuário da Justiça Arival Tramontin Ferreira Junior está foragido. Os quatro seriam os cabeças do esquema, liderado por Taques. Outras 12 pessoas acusadas de participar do esquema tiveram prisão temporária decretada ontem. Cinco delas foram detidas e sete estão foragidas. Ao grupo são imputados crimes de quadrilha, apropriação indébita, corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
A movimentação foi intensa ontem na sede do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) em Curitiba, que cumpriu os mandados de prisão. Além das prisões, 13 pessoas foram conduzidas coercitivamente para prestar depoimento. Os agentes do Gaeco cumpriram ainda nove mandados de busca e apreensão, nos quais apreenderam documentos e computadores e três armas de fogo.
Acusada de integrar o grupo, a advogada Cristiane Uliana não está entre as pessoas que tiveram a prisão decretada ontem porque ajudou nas investigações. Ela descreveu o esquema ao MP logo depois de a reportagem da Gazeta do Povo revelar que ela teria se apropriado indevidamente do valor das indenizações de 18 pescadores. Segundo as investigações, ela teria sido convidada a integrar o grupo em novembro de 2004, nas ações contra a empresa Cattalini Terminais Marítimos Ltda no acidente do navio Vicuña. Em 2005, passou a responder também por parte das ações contra a Petrobras.
O esquema
De acordo com as investigações, o esquema teria sido criado inicialmente para que o núcleo arrecadasse dinheiro a partir do recebimento de custas processuais das ações ingressadas pelos pescadores contra a Petrobras. Os cabeças do grupo teriam cooptado advogados, que visitavam ilhas do litoral e recolhiam assinaturas em procurações de pescadores, estimulando-os a ingressar com ações de indenização. O presidente da Federação de Pescadores do Paraná, Edmir Manoel Ferreira, também teria aderido à quadrilha e convencido outros pescadores a entrar com pedidos de indenização. Ele é um dos suspeitos presos temporariamente.
Segundo a 1.ª Promotoria de Justiça Criminal de Paranaguá, três empresas teriam sido criadas para operacionalizar “as vantagens indevidas” e para lavar o dinheiro, obtido a partir do esquema. Por meio delas os valores seriam repassados ao núcleo central. Segundo as investigações, caberia a Cristiane fazer os cálculos da partilha dos valores auferidos com as custas processuais. Taques, o escrivão acusado de ser o líder do grupo, ficava com 32% da arrecadação. Arival, conhecido pelo sobrenome Junior, ficaria com outros 32%. Cristiane e o juiz Hélio Arabori ficariam com 18% cada um.
As investigações contam com interceptações telefônicas e de e-mail, com a quebra do sigilo bancário – todos autorizados pela Justiça – e com uma série de depoimentos dos investigados.
A Gazeta do Povo tentou manter contato com os acusados presos ontem, mas não conseguiu falar com todos. O jornal está aberto a ouvi-los, ou a seus representantes, para dar sua versão sobre as acusações.
Esquema teria iniciado em 2003
Dois acidentes ambientais provocados pela Petrobras, em 2001, e outro envolvendo o navio chileno Vicuña, em 2004, teriam desencadeado as fraudes investigadas na 1.ª Vara Cível de Paranaguá. Para o Ministério Público, o esquema começou em 2003. As investigações traçam uma cronologia dos acontecimentos.
Entre 2003 e 2004, o escrivão Ciro Antônio Taques teria mandado o advogado Maximilian Zerek e Arival Tramontin Ferreira Junior (funcionário da Vara Cível e seu cunhado à época) percorressem o litoral do Paraná para colher assinaturas em procurações e contratos advocatícios para viabilizar ações de indenização a pescadores afetados pelos acidentes. Taques teria pago de R$ 8 a R$ 9 para cada procuração assinada.
A intenção de Taques seria receber valores decorrentes das custas processuais decorrentes das ações propostas contra a Petrobras, em relação ao vazamento de óleo do Poliduto Olapa. Haveria um acerto com o chefe do Cartório Distribuidor para o direcionamento dessas ações de indenização à 1.ª Vara Cível. A remuneração daqueles que participavam do esquema montado pelo escrivão seria paga com o dinheiro das custas processuais. Após a assinatura de procurações e honorários contratuais, de janeiro a setembro de 2004 foram ajuizadas milhares de ações em relação ao Poliduto Olapa e ao Navio Norma.
Pela investigações, os processos teriam ficado parados no Cartório da 1.ª Vara Cível até o acidente com o Navio Vicuña, em 2004, quando foi colocado a “mão na massa”. Para esse caso teria sido montada a mesma estrutura, com a participação do presidente da Colônia de Pescadores, Edmir Manoel Ferreira, e do advogado Maximilian Zerek para a captação de pescadores. Assim, teriam sido obtidas em um primeiro momento 2.340 procurações em relação ao acidente do Vicuña.
Em dezembro de 2004, Maximilian teria saído do esquema por não receber de Taques os valores combinados. As ações foram substabelecidas para outro advogado. Cristiane Uliana teria sido convidada a integrar o grupo nas ações contra a empresa Cattalini Terminais Marítimos Ltda, sobre o acidente do Vicuña. No ano seguinte ela assumiu parte das ações contra a Petrobras.
Em 2005, o juiz Hélio Arabori teria pressionado para entrar na partilha do dinheiro. Teria cabido a Cristiane fazer os cálculos sobre a participação de cada um no porcentual sobre os 30% dos honorários contratuais acordados com os pescadores nas ações contra a Petrobras. Os valores só passaram a ser recebidos em agosto de 2008, quando foi expedido o primeiro alvará de levantamento nas ações de indenização contra a Petrobras.
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